Artigo

Informativo STJ 849 Comentado

do PDF AQUI!

1.          Interrupção da prescrição em protesto judicial contra a Fazenda Pública

Indexador

Disciplina: Direito istrativo

Capítulo: Prescrição

Área

Magistratura

Procuradorias

Destaque

O ajuizamento de protesto judicial contra a Fazenda Pública, com posterior citação válida, interrompe a prescrição nos termos do art. 202, I, do Código Civil, ainda que o pedido tenha sido extinto sem julgamento de mérito.

AgInt no REsp 2.036.964-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 6/5/2024, DJe 10/5/2024.

Conteúdo-Base

???? O art. 202, I, do CC/2002 prevê que a prescrição é interrompida pelo despacho do juiz que ordenar a citação em protesto judicial.

???? O STJ entende que a interrupção também se aplica à Fazenda Pública, desde que a citação tenha sido regularmente realizada.

???? A interrupção ocorre independentemente de ulterior extinção do feito sem julgamento de mérito.

???? A citação válida no protesto é suficiente para impedir o decurso do prazo prescricional.

Discussão e Tese

???? O STJ analisou se a citação da Fazenda Pública em protesto judicial, mesmo com posterior extinção sem resolução do mérito, seria suficiente para interromper a prescrição da pretensão do autor.

⚖️ Para o STJ:

• A finalidade do protesto é assegurar efeitos interruptivos, não necessariamente alcançar provimento de mérito.

• A interpretação literal e teleológica do art. 202, I, favorece a segurança jurídica e a boa-fé processual.

• A Fazenda Pública não possui prerrogativa que afaste os efeitos da interrupção quando regularmente citada.

Como será Cobrado em Prova

???? A citação válida da Fazenda Pública em protesto judicial é suficiente para interromper o prazo prescricional da demanda futura.

✅ Correto. A jurisprudência garante esse efeito interruptivo como instrumento de preservação do direito de ação.

???? A extinção do protesto judicial sem julgamento de mérito impede a interrupção da prescrição.

❌ Errado. O STJ reconhece a interrupção com base na citação válida, independentemente do desfecho do protesto.

Versão Esquematizada

???? Protesto Judicial e Prescrição contra a Fazenda
???? CC, art. 202, I – interrupção com despacho que ordena a citação ???? Citação válida = suficiente para interromper prescrição ???? Extinção sem mérito não anula o efeito interruptivo ???? Aplicável à Fazenda Pública ???? Finalidade: constituição em mora + preservação do direito de ação

Inteiro Teor

     Cinge-se a controvérsia ao debate a respeito das ações em face da Fazenda Pública, no tocante ao marco do reinício do prazo prescricional após interrompida a prescrição pelo ajuizamento de ação cautelar de protesto.

     Acerca da matéria, o art. 9º do Decreto n. 20.910/1932, que regula a interrupção do prazo prescricional aplicável à Fazenda Pública, dispõe que a “prescrição interrompida recomeça a correr, pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu ou do último ato ou termo do respectivo processo”.

     Interpretando tal dispositivo, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento segundo o qual, nas ações relacionadas com a Fazenda Pública, a propositura de cautelar judicial de protesto interrompe a prescrição, cujo prazo reinicia pela metade a partir do respectivo ajuizamento.

     Por sua vez, adotando orientação distinta, as Turmas integrantes da Segunda Seção, com amparo no art. 202, parágrafo único, do Código Civil (CC), adotam a compreensão de que o prazo prescricional somente recomeça após o último ato praticado na ação judicial de protesto.

     Conquanto fundada a divergência na exegese de preceitos legais distintos, diante de sua similaridade, a Corte Especial do STJ apreciou e solucionou o dissenso mediante Embargos de Divergência, ando a adotar a orientação de que, “[…] a respeito do reinício da contagem do prazo prescricional no ajuizamento de protesto, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento majoritário e atual no sentido de que, interrompida a prescrição, o marco inicial para reinício do prazo prescricional é a data do último ato processual” (AgInt nos EREsp n. 1.827.137/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Corte Especial, julgado em 10/9/2024, DJe 13/9/2024).

     Destarte, aplica-se à espécie o precedente da Corte Especial o qual uniformizou o entendimento entre as Primeira e Segunda Seções.

2.        Área de Preservação Permanente e definição por licença em reservatório hidrelétrico antigo

Indexador

Disciplina: Direito Ambiental

Capítulo: Áreas de Preservação Permanente (APPs)

Área

Magistratura

Ministério Público

Procuradorias

Destaque

Para reservatórios artificiais de água destinados à geração de energia ou abastecimento público registrados ou autorizados antes da MP 2.166-67/2001, a faixa da Área de Preservação Permanente é aquela definida na licença ambiental, aplicando-se o art. 62 do Código Florestal apenas para consolidar ocupações antrópicas anteriores a 22/7/2008.

REsp 2.141.730-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 22/4/2025, DJEN 28/4/2025.

Conteúdo-Base

???? O art. 4º, III, do Código Florestal (Lei 12.651/2012) define a APP do entorno de reservatórios como a faixa fixada na licença ambiental do empreendimento.

???? O art. 62 da mesma lei consolida ocupações humanas preexistentes a 22/7/2008 em APPs de reservatórios antigos, mas não redefine a faixa de preservação.

???? A Medida Provisória 2.166-67/2001 é o marco legal para distinguir reservatórios “antigos” e “novos”.

???? O STJ interpreta de forma restritiva as normas que consolidam ocupações irregulares em áreas protegidas.

???? A função ambiental da APP permanece inalterada para ocupações posteriores à data-limite.

Discussão e Tese

???? O STJ analisou se, para reservatórios antigos, a APP deveria seguir o art. 62 do Código Florestal ou a faixa fixada na licença ambiental.

⚖️ Para o STJ:

• O art. 62 apenas regulariza ocupações anteriores ao marco de 22/7/2008.

• Ocupações posteriores devem respeitar integralmente a APP definida na licença.

• A proteção ambiental rigorosa se aplica mesmo sem vegetação nativa no local.

Como será Cobrado em Prova

???? A Área de Preservação Permanente no entorno de reservatórios antigos é sempre definida por faixa mínima legal, independentemente da licença ambiental.

❌ Errado. O STJ afirma que, nesses casos, a faixa da APP é a estabelecida na licença, salvo para ocupações consolidadas anteriores a 22/7/2008.

Versão Esquematizada

???? APP em Reservatórios Antigos
???? Código Florestal, art. 4º, III – faixa definida na licença ambiental ???? Art. 62 – consolidação de ocupações anteriores a 22/7/2008 ???? MP 2.166-67/2001 – marco para definição de “reservatório antigo” ???? Ocupações posteriores → sujeitas à APP integral ???? Interpretação restritiva das normas de consolidação ambiental

Inteiro Teor

     A controvérsia tem origem em uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal buscando a destruição das intervenções na Área de Preservação Permanente – APP no entorno de reservatório de água de Usina Hidroelétrica (UHE), além de reparação e imposição de deveres de fiscalização,

     O acórdão recorrido assentou que a ocupação antrópica da área debatida nos autos é antiga. Diga-se, ainda, que não se demonstrou a existência de intervenções humanas posteriores ao marco temporal de 22/7/2008.

     Logo, a questão controvertida resume-se à pretensão de reconhecimento, em caráter declaratório, da extensão da APP, conforme as disposições do atual Código Florestal. Assim, o objeto recursal é a declaração de que as ocupações antrópicas a partir de 22/7/2008 devem respeitar a APP, tal qual definida na licença ambiental de operação.

     A Lei n. 12.651/2012, atual Código Florestal, entrou em vigor no curso do processo judicial e suas disposições são dúbias. Não há, porém, maior dúvida quanto à aplicabilidade da lei nova – atual Código Florestal.

     O ponto nodal está em saber se a disposição transitória do art. 62 do Código Florestal desconstitui a APP delimitada na licença ambiental, na forma do art. 4º, III; ou se a APP definida na licença deve ser respeitada, ainda que apenas para ocupações antrópicas posteriores.

     A definição é importante, porque a ocupação antrópica em APP deve obedecer a um regime jurídico estrito e rigoroso. A proteção aplica-se ainda que a área não esteja coberta por vegetação nativa (art. 3º, II) e exige a manutenção (art. 7º do Código Florestal) ou a recuperação da flora suprimida (art. 7º, §1º). Intervenção ou supressão da vegetação são toleradas apenas em hipóteses excepcionais (art. 8º do Código Florestal).

     O Código Florestal define Área de Preservação Permanente como a “área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas” (art. 3º, II). Trata-se, portanto, de fração da superfície sujeita a um regime de proteção, criada em razão de um fato jurídico – existência de um acidente geográfico (rios, lagos, nascentes, encostas, restingas, manguezais, bordas de chapadas, todos de morros, veredas, etc., art. 4º do Código Florestal) -, para atender a uma finalidade especial (art. 6º do Código Florestal),

     De acordo com a legislação anterior, a APP seria delimitada no licenciamento ambiental, devendo ser de no mínimo 30 (trinta) metros para reservatórios em áreas urbanas e 100 (cem) metros para áreas rurais, contados em projeção horizontal a partir do nível máximo normal, na forma do art. 3º, I, e § 1º, da Resolução n. 302/2002 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, a qual foi expedida no exercício da competência atribuída pelo art. 4º, § 6º, da Lei n. 4.771/1965 (antigo Código Florestal), com redação dada pela MP n. 2.166-67/2001.

     As normas definitivas do atual Código Florestal seguem linha bastante semelhante. O “entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’águas naturais” é Área de Preservação Permanente (art. 4º, III).

     A extensão da APP não é dada diretamente pela lei, mas pela licença ambiental. A lei estabelece que a área corresponde à “faixa definida na licença ambiental do empreendimento” (art. 4º, III). A redação original previa um mínimo de 15 (quinze) metros para reservatórios “situados em áreas rurais com até 20 (vinte) hectares de superfície”, mas essa disposição foi revogada (Lei n. 12.727/2012). Resta em vigor apenas dispositivo que define uma faixa mínima e máxima para a APP, conforme o art. 5º do Código Florestal.

     Por sua vez, o art. 62 está inserido na Seção II, denominada “Das Áreas Consolidadas em Áreas de Preservação Permanente”, no Capítulo XIII, “DAS DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS”. Esse artigo incide apenas para os reservatórios antigos – “reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001”.

     Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça vem interpretando restritivamente as disposições do Código Florestal que consolidam ilícitos ambientais, perenizando ocupações antrópicas em áreas protegidas. É numa perspectiva de hermenêutica restritiva que o art. 62 do Código Florestal deve ser encarado. Esse artigo, como indica sua própria localização topográfica, apenas consolida ocupações antrópicas preexistentes.

     A consolidação de ocupações antrópicas anteriores a 22/7/2008 permeia o atual Código Florestal. Em vários de seus artigos, intervenções humanas e supressões da vegetação são tidas por regularizadas, ou abrandadas sanções aplicáveis, no intuito de regularizar situações que, embora contrárias ao direito, são tidas por consumadas.

     O dia 22/7/2008 é adotado pela lei como o marco temporal dessa tolerância. Todavia, o art. 62 não menciona o marco temporal de 22/7/2008. No entanto, também ele se insere num contexto de consolidação de ocupações antigas, sem revogar o regime perene.

     Assim, o dispositivo deve ser compreendido como uma tolerância, uma consolidação de ocupações anteriores ao marco temporal. Para ocupações posteriores a essa data, vale a Área de Preservação Permanente definida na forma das normas definitivas do Código Florestal, ou seja, aquela definida na licença ambiental.

     Destarte, o art. 62 do Código Florestal não desconstitui a APP delimitada na licença de operação. Ele apenas tolera as ocupações anteriores a 22/7/2008.

     Em suma, mesmo para os reservatórios artificiais de água destinados à geração de energia ou ao abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, a faixa da Área de Preservação Permanente é definida na licença ambiental do empreendimento, na forma do art. 4º, III, do Código Florestal, aplicando-se o art. 62 do Código Florestal apenas para consolidar e dar por regularizadas as ocupações antrópicas preexistentes a 22/7/2008.

3.         Capitalização de juros no SFI: vedação à periodicidade inferior à anual

Indexador

Disciplina: Direito Civil

Capítulo: Sistema Financeiro Imobiliário (SFI)

Área

Magistratura

Procuradorias

Ministério Público

Defensoria Pública

Destaque

Nos contratos celebrados no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), não é permitida a capitalização de juros em periodicidade inferior à anual, ainda que expressamente pactuada.

REsp 2.086.650-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 4/2/2025, DJEN 7/2/2025.

Conteúdo-Base

???? A Lei 9.514/1997, que rege o SFI, autoriza a capitalização de juros, mas não dispõe sobre a periodicidade da capitalização.

???? O art. 4º da Lei da Usura (Decreto 22.626/1933) veda a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual, salvo autorização legal específica.

???? A MP 2.170-36/2001 autoriza a capitalização mensal apenas no âmbito do Sistema Financeiro Nacional (SFN), não se aplicando automaticamente ao SFI.

???? O entendimento firmado nos Temas 246 e 247/STJ e na Súmula 539/STJ limita-se ao SFN e não se estende ao SFI.

???? No SFI, aplica-se como regra a capitalização anual, salvo norma específica em sentido contrário — o que inexiste na Lei 9.514/1997.

Discussão e Tese

???? O STJ analisou se seria válida cláusula contratual que previa capitalização mensal de juros em contrato de financiamento regido pelo SFI.

⚖️ Para o STJ:

• O SFI possui regime jurídico próprio, não submetido automaticamente às regras do SFN.

• A periodicidade inferior à anual exige autorização legal expressa, inexistente no caso.

• A capitalização mensal, ainda que pactuada, é vedada por força da Lei da Usura, em interpretação sistemática.

Como será Cobrado em Prova

???? A Lei da Usura veda a capitalização inferior à anual nos contratos regidos pelo SFI, salvo disposição legal expressa em sentido contrário.

✅ Correto. O STJ reafirmou a aplicação do art. 4º do Decreto 22.626/1933 aos contratos imobiliários.

???? A capitalização mensal de juros é válida nos contratos do SFI, desde que expressamente pactuada, conforme precedentes do STJ.

❌ Errado. A jurisprudência atual do STJ limita a capitalização nos contratos do SFI à periodicidade anual, por ausência de autorização legal.

Versão Esquematizada

???? Capitalização de Juros no SFI
???? SFI: regulado pela Lei 9.514/1997 ???? Capitalização inferior à anual → exige previsão legal específica ???? Lei da Usura, art. 4º – veda capitalização mensal sem autorização ???? MP 2.170-36/2001 não se aplica automaticamente ao SFI ???? Temas 246/247 e Súmula 539/STJ s ao SFN

Inteiro Teor

     A controvérsia tem o propósito de decidir se é possível a capitalização de juros em periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), regido pela Lei n. 9.514/1997.

     No ponto, cabe inicialmente distinguir a questão posta com relação às teses fixadas nos Temas 246 e 247/STJ e à Súmula 539/STJ.

     No âmbito dos contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional (SFN), a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do REsp 973.827/RS, sob o rito dos repetitivos, fixou teses nos Temas 246/STJ [“é permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada”] e 247/STJ [“A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada”].

     Posteriormente, foi firmada a Súmula 539/STJ (DJe 15/6/2015) no mesmo sentido: “é permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada”.

     Contudo, não é permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), ainda que expressamente pactuada.

     Com efeito, o Sistema Financeiro Nacional (SFN) não se confunde com o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), sendo o primeiro regulamentado pela Lei n. 4.595/1964 e MP n. 2.170-36/2001, além de outras normas, inclusive com previsão constitucional (art. 192), enquanto o segundo foi criado e regulamentado pela Lei n. 9.514/1997. Portanto, é necessário analisar a questão referente à capitalização de juros no âmbito do SFI a partir das normas a ele aplicáveis.

     A Lei n. 9.514/1997, além de ter instituído a alienação fiduciária de coisa imóvel, dispôs sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), o qual “tem por finalidade promover o financiamento imobiliário em geral, segundo condições compatíveis com as da formação dos fundos respectivos” (art. 1º).

     As instituições autorizadas a operar no SFI estão listadas no art. 2º da referida lei, quais sejam, “as caixas econômicas, os bancos comerciais, os bancos de investimento, os bancos com carteira de crédito imobiliário, as sociedades de crédito imobiliário, as associações de poupança e empréstimo, as companhias hipotecárias e, a critério do Conselho Monetário Nacional – CMN, outras entidades”.

     O art. 4º da Lei n. 9.514/1997 autoriza que as operações de financiamento imobiliário em geral sejam livremente efetuadas pelas entidades autorizadas a operar no SFI, segundo as condições do mercado, mas determina a necessidade de que sejam “observadas as prescrições legais”.

     Por sua vez, o inciso III do art. 5º da Lei n. 9.514/1997 conduz ao entendimento de que houve autorização legal para a “capitalização dos juros” nas operações de financiamento imobiliário em geral no âmbito do SFI, cuja pactuação expressa foi elencada como uma de suas condições essenciais.

     No entanto, é fundamental observar que a referida lei não dispôs sobre a periodicidade da capitalização de juros no âmbito do SFI, diferentemente de como foi feito no Sistema Financeiro Nacional (SFN), em que se autorizou expressamente “a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano” (art. 5º da MP 1.963-17/2000, atual MP 2.170/2001).

     A Súmula 93/STJ só itia a capitalização de juros quando houvesse previsão legal, a exemplo das cédulas rural, comercial e industrial. Todavia, o tema foi objeto de nova discussão nesta Corte, com maior enfoque à ressalva da parte final do art. 4º da Lei da Usura: “é proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano”.

     Pacificou-se, então, o entendimento de que essa “ressalva permite a capitalização anual como regra aplicável aos contratos de mútuo em geral. Assim, não é proibido contar juros de juros em intervalo anual; os juros vencidos e não pagos podem ser incorporados ao capital uma vez por ano para sobre eles incidirem novos juros” (REsp 973.827/RS, Segunda Seção, DJe 24/9/2012; REsp 1.095.852/PR, Segunda Seção, DJe 19/3/2012; EREsp 917.570/RS, Segunda Seção, DJe 4/8/2008).

     No mesmo sentido, o art. 591 do Código Civil (CC), em sua redação original, ou a prever em seu parágrafo único: “destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual”.

     Registra-se que a Lei n. 14.905/2024 suprimiu essa parte final e previu novas exceções à Lei da Usura. Entretanto, essa inovação legal não abrange os fatos discutidos neste recurso, não sendo, portanto, objeto do presente julgamento.

     A regra, então, consiste na possibilidade de capitalização de juros, mas, tão somente, em periodicidade anual, com base, sobretudo, no art. 4º da Lei da Usura (Decreto n. 22.626/1933).

     A capitalização de juros em periodicidade inferior a um ano é excepcionalmente itida mediante autorização legal específica, como na hipótese dos contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, observada, ainda, a necessidade de pactuação expressa e clara, conforme a jurisprudência desta Corte (REsp 973.827/RS, Segunda Seção, DJe 24/9/2012, Temas 246 e 247).

     Sendo a capitalização de juros em periodicidade inferior a um ano a exceção, deve ser objeto de interpretação estrita. Sob esse enfoque, é necessário que a lei seja expressa quanto à periodicidade da capitalização, pois, do contrário, aplica-se a regra de que somente se ite a capitalização de juros em intervalo anual.

     Portanto, considerando que a Lei n. 9.514/1997 (art. 5º, III) autoriza apenas a capitalização de juros nos contratos celebrados no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), sem menção à periodicidade, incide o art. 4º da Lei da Usura, que veda a capitalização em periodicidade inferior à anual.

4.        Retificação de registro civil para constar gênero neutro

Indexador

Disciplina: Direito Civil

Capítulo: Direitos da Personalidade

Área

Magistratura

Ministério Público

Defensoria Pública

Cartórios

Destaque

Deve ser reconhecido o direito ao livre desenvolvimento da personalidade da pessoa transgênera não binária, possibilitando-se a retificação do registro civil para constar gênero neutro.

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 6/5/2025, DJe 13/5/2025.

Conteúdo-Base

???? O art. 12 do Código Civil assegura a tutela dos direitos da personalidade, entre eles a identidade de gênero como expressão da dignidade da pessoa humana.

???? A cláusula geral de proteção da personalidade permite interpretação extensiva diante da omissão legal quanto à identidade de gênero não binária.

???? A Constituição Federal, ao consagrar o princípio do livre desenvolvimento da personalidade (art. 1º, III), legitima a autodeterminação de gênero.

???? A inexistência de norma legal específica não impede o reconhecimento judicial do gênero neutro no registro civil.

???? O direito à retificação é garantido a todas as pessoas transgêneras, inclusive não binárias, desde que respeitada a boa-fé e a adequação ao ordenamento.

Discussão e Tese

???? O STJ examinou se é juridicamente possível retificar o registro civil para substituição do marcador de gênero binário por gênero neutro, a partir da autodeclaração da parte.

⚖️ Para o STJ:

• A ausência de norma específica não é óbice para proteção da personalidade.

• A distinção entre pessoas trans binárias e não binárias não se sustenta diante do princípio da igualdade.

• A retificação do campo “sexo” para designação neutra é expressão legítima da autonomia privada.

Como será Cobrado em Prova

???? Pessoas não binárias têm direito à retificação do registro civil para constar gênero neutro, em razão do princípio da dignidade da pessoa humana.

✅ Correto. A jurisprudência reconhece a identidade de gênero autodeclarada como expressão do livre desenvolvimento da personalidade.

Versão Esquematizada

???? Gênero Neutro e Registro Civil
???? CC, art. 12 – direitos da personalidade ???? CF, art. 1º, III – dignidade humana e autonomia ???? Gênero não binário = identidade protegida ???? Ausência de norma específica ≠ inexistência de direito ???? Aplicação da LINDB, art. 4º, e C, art. 140

Inteiro Teor

     Cinge-se a controvérsia em verificar se é possível a retificação de registro civil para redesignação de gênero neutro.

     A tábua axiológica da Constituição Federal funda-se especialmente na tutela da pessoa e na proteção e promoção da sua dignidade. Nesse sentido, quando se tutela a pessoa não se pode retirar do âmbito de proteção a sua personalidade.

     O princípio do livre desenvolvimento da personalidade garante a autonomia para a determinação de uma personalidade livre, sem interferência do Estado ou de particulares.

     O direito à autodeterminação de gênero e à identidade sexual, tutelado através da cláusula geral de proteção à personalidade presente no art. 12 do CC, está intimamente relacionado ao livre desenvolvimento da personalidade e da possibilidade de todo ser humano autodeterminar-se e escolher livremente as circunstâncias que dão sentido a sua existência.

     A evolução jurisprudencial que culminou nas alterações legislativas até então vigentes no ordenamento jurídico brasileiro resultou na possibilidade jurídica de pessoas transgêneras requererem extrajudicialmente a alteração de prenome e gênero de acordo com sua autoidentificação. No entanto, observa-se que tais alterações, até agora, levaram em conta a lógica binária de gênero masculino/feminino, uma vez que representam a normatividade padrão esperada pela sociedade, mesmo tratando-se de pessoas transgêneras.

     Embora não se verifique norma específica no ordenamento jurídico brasileiro que regule a alteração do assento de nascimento para inclusão de gênero neutro, não há razão jurídica para distinguir entre transgêneros binários e transgêneros não-binários.

     Seria incongruente itir-se posicionamento diverso para a hipótese de transgeneridade binária e não-binária, uma vez que em ambas as experiências há dissonância com o gênero que foi atribuído ao nascimento, devendo prevalecer sua identidade autopercebida, como reflexo da autonomia privada e expressão máxima da dignidade humana.

     Todos que têm gêneros não-binários e que querem decidir sobre sua identidade de gênero devem receber respeito e dignidade, para que não sejam estigmatizados e que não fiquem à margem da lei.

     A lacuna legislativa não tem o condão de fazer com que o fato social da transgeneridade não-binária fique sem solução jurídica, sendo aplicável em tais casos o disposto nos arts. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) e 140 do C, pois a falta de específica norma regulamentar de um direito não deve ser confundida com a ausência do próprio direito.

     Assim, é de ser reconhecido o direito ao livre desenvolvimento da personalidade da pessoa transgênera não-binária de autodeterminar-se, possibilitando-se a retificação do registro civil para que conste gênero neutro.

5.        Concorrência desleal e cooptação de clientela por ex-empregados após fim da relação de trabalho

Indexador

Disciplina: Direito Empresarial / Direito Civil

Capítulo: Propriedade Intelectual e Concorrência

Área

Magistratura

Ministério Público

Destaque

A prática de cooptação de clientela por ex-empregados, após o fim do contrato de trabalho, pode configurar concorrência desleal se demonstrada conduta desleal, mas a captação lícita após a rescisão contratual não constitui, por si só, ilícito civil.

Esp 2.047.758-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 6/5/2025.

Conteúdo-Base

O art. 195, III, da Lei 9.279/1996 (LPI) qualifica como concorrência desleal a utilização de meio fraudulento com o fim de desviar clientela de outrem.

???? O vínculo de emprego impõe dever de lealdade e confidencialidade, mas tais deveres não são ilimitados no tempo após a rescisão.

???? A cooptação de clientes por ex-funcionário não é automaticamente ilícita se ocorrer após o encerramento contratual e sem violação de segredo empresarial ou abuso de confiança.

???? A liberdade de iniciativa e de concorrência ite a atração de clientela por meios lícitos, ainda que envolva antigos clientes do empregador.

???? A condenação exige demonstração de elementos específicos de deslealdade, como uso indevido de informações privilegiadas ou ações fraudulentas.

Discussão e Tese

???? O STJ analisou se a mera captação de clientela por ex-empregados após o término do vínculo empregatício constitui ato ilícito por concorrência desleal.

⚖️ Para o STJ:

• A simples migração de clientela após o fim do contrato não configura infração à LPI.

• A concorrência só é desleal se houver abuso, fraude, violação de dever de confidencialidade ou má-fé.

• Não é possível presumir a ilicitude sem conduta concretamente desleal.

Como será Cobrado em Prova

???? O ex-funcionário que atrai clientes do antigo empregador após o fim do vínculo trabalhista comete concorrência desleal.

❌ Errado. O STJ exige demonstração de deslealdade ou ilicitude na conduta para caracterizar o ilícito.

Versão Esquematizada

???? Cooptação de Clientes e Concorrência Desleal
???? LPI, art. 195, III – desvio de clientela com fraude = ilícito ???? Dever de lealdade após vínculo: não absoluto ???? Captação lícita ≠ concorrência desleal ???? Requisito: conduta dolosa, fraudulenta ou abusiva ???? Liberdade de concorrência preservada em regra

Inteiro Teor

     A questão consiste em saber se o desvio de clientela realizado no curso da relação de trabalho configura concorrência desleal, assim como se há limitação da conduta quanto ao período do contrato de trabalho.

     No caso, trata-se de ação indenizatória, ajuizada por ex-empregadoras contra ex-empregados e concorrente, por concorrência desleal fundada em desvio de clientela.

     A busca por clientela é o objetivo de todo empresário. Conquistar clientes significa, de certo modo, “desviar” clientes de outrem. Nesse contexto, é possível, dentro do campo da licitude, que o agente econômico cause danos justos (mesmo que extensos) aos concorrentes.

     A distinção entre a licitude e a ilicitude está, portanto, na forma como a conquista de clientes é feita. Se a concorrência se dá a partir de atos de eficiência próprios ou de ineficiência alheia, esse ato tende a ser leal. Por outro lado, se a concorrência é estabelecida a partir de atos injustos, em muito se aproximando da lógica do abuso de direito, é que se pode falar em concorrência desleal.

     Trata-se, portanto, de escolha do contratante que pode decorrer de sua anterior experiência com aquele produto, da indicação de utilização por outrem, do marketing realizado pelo empresário, do prestígio da marca, da qualidade do serviço, da solidez do nome empresarial – situações que envolvem o esforço do empresário.

     Para a análise dos limites que norteiam a concorrência lícita, há que se considerar, ainda, as hipóteses de vedação contratual de concorrência, a exemplo das cláusulas de não concorrência e confidencialidade, não restabelecimento ou restritivas de concorrência contidas em contratos de trabalho, trese e locação de espaço comercial.

     Especificamente acerca do dever de fidelidade, entende-se que este é inerente ao contrato de trabalho no exercício de sua vigência, com previsão inclusive no art. 482, c, da Consolidação das Leis do Trabalho. A boa-fé no desenvolvimento do trabalho consiste em elemento basilar da relação jurídica entabulada. Encerrado o contrato de trabalho, contudo, eventual condição de não concorrência, caso não previamente pactuada, não mais constitui obrigação a ser observada.

     Não se desconsidera, contudo, o dever de sigilo quanto às questões confidenciais, as quais estão resguardadas tanto na Lei de Propriedade Industrial como na Lei Geral de Proteção de Dados (artigos 46 a 49). Cumpre registrar que o sigilo não engloba todo conhecimento e informação obtida pelo empregado em sua atividade, porquanto, em seu exercício, ele também desenvolve know-how próprio decorrente da especialidade e anos de experiência.

     Diante disso, o direcionamento de clientes para a empresa concorrente realizado por empregado no curso da relação de trabalho configura desvio ilícito de clientela, o que se traduz em ato de concorrência desleal, baseado no aproveitamento da condição de representante do empregador no exercício da atividade negocial, conduta que se enquadra no disposto no artigo 195, III, da Lei n. 9.279/1996.

     No caso, o desvio de clientela perpetrado no exercício do contrato de trabalho dos ex-empregados com a então empregadora preenche os elementos constitutivos do desvio ilícito de clientela. No entanto, em relação ao período que se segue, para que tais condições estejam evidenciadas, faz-se necessária a presença de alguma das hipóteses restritivas da concorrência lícita.

     Quanto ao ponto, conforme consignado pelo magistrado de origem: “No caso, ausente cláusula contratual expressamente dispondo que os funcionários da parte autora, após o término do contrato de trabalho, estariam proibidos de atuar no setor, com previsão de cláusulas com condições resolutiva, suspensiva ou com sanções em caso de descumprimento contratual, não há que se falar em restrição ao exercício da livre concorrência e da atividade naquele mercado pelos requeridos, o que poderia ser considerado indevido cerceamento ao exercício da livre iniciativa e do exercício de atividade profissional. (..) Ressalto, também, que a atuação no ramo indicado não envolve técnica inovadora ou direito patenteado capaz de justificar a abstenção de seus ex-empregados de se valerem de seus conhecimentos técnicos (expertise) na cadeia produtiva de outra empresa, inserindo-se como patrimônio intelectual lícito. Por óbvio, o conhecimento em vendas detido pelos réus também não se qualifica como segredo de indústria”.

     Assim, verifica-se que, em razão da ausência de impedimento legal ou contratual do exercício da atividade pelos ex-empregados em favor da empresa concorrente após sua despedida das ex-empregadoras, não estão preenchidos os elementos configuradores da concorrência desleal, razão pela qual os danos a serem reparados se limitam àqueles gerados até a data do encerramento dos contratos de trabalho.

6.        Correção de ofício do valor da causa e inissibilidade de agravo de instrumento

Indexador

Disciplina: Direito Processual Civil

Capítulo: Recursos

Área

Magistratura

Defensoria Pública

Ministério Público

Procuradorias

Destaque

É inissível a interposição de agravo de instrumento contra decisão que, de ofício, corrige o valor da causa, por ausência de previsão legal no rol taxativo do art. 1.015 do C.

REsp 2.186.037-AM, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 6/5/2025.

Conteúdo-Base

???? O art. 1.015 do C/2015 estabelece um rol taxativo de decisões interlocutórias íveis de agravo de instrumento.

???? A jurisprudência do STJ ite interpretação extensiva ou analógica apenas em hipóteses excepcionais e com base em prejuízo imediato ou irreparável.

???? A correção do valor da causa, por si só, não causa gravame irreversível que justifique o uso de agravo fora das hipóteses legais.

???? Eventual insurgência contra essa decisão deve ser suscitada em preliminar de apelação.

???? Não há previsão no art. 1.015 que contemple a impugnação da retificação de ofício do valor da causa.

Discussão e Tese

???? O STJ analisou se seria cabível agravo de instrumento contra decisão interlocutória que corrige de ofício o valor da causa.

⚖️ Para o STJ:

• A medida não se enquadra nas hipóteses legais de cabimento do agravo de instrumento.

• Não se trata de hipótese excepcional que justifique interpretação extensiva do art. 1.015.

• A discussão deve ser diferida para apelação, sob pena de indevido alargamento do cabimento do agravo.

Como será Cobrado em Prova

???? É cabível agravo de instrumento contra decisão que corrige de ofício o valor da causa, pois afeta a organização processual e a competência.

❌ Errado. O STJ considera que não há previsão no rol do art. 1.015, e o eventual inconformismo deve ser veiculado por apelação.

Versão Esquematizada

???? Correção do Valor da Causa – Impugnação
???? C, art. 1.015 – rol taxativo de decisões agraváveis ???? Correção de ofício do valor da causa ≠ hipótese de agravo ???? Impugnação deve ocorrer por preliminar em apelação ???? Sem prejuízo imediato, sem cabimento excepcional ???? Interpretação restritiva do cabimento do recurso

Inteiro Teor

     Cinge-se a controvérsia em decidir se é cabível agravo de instrumento contra o pronunciamento jurisdicional que corrige de ofício o valor da causa.

     Quando do julgamento do Tema 988/STJ dos recursos especiais repetitivos, esta Corte Superior fixou a seguinte tese jurídica: “O rol do art. 1.015 do C é de taxatividade mitigada, por isso ite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação” (REsp n. 1.704.520/MT, Corte Especial, DJe 19/12/2018).

     Em outras palavras, caberá agravo de instrumento quando a decisão interlocutória impugnada versar sobre as questões expressamente previstas no art. 1.015 do Código de Processo Civil (C) ou quando houver urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.

     No ponto, o art. 1.009, § 1º, do C esclarece que “as questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões”.

     Por outro lado, no que diz respeito à decisão interlocutória que corrige o valor atribuído à causa, o § 3º do art. 292 do C dispõe que “o juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes”.

     Nessa situação, a jurisprudência é firme no sentido de que, verificada a manifesta discrepância entre o valor da causa e o proveito econômico pretendido com a demanda, o Juízo deverá corrigir de ofício o valor atribuído à ação e determinar o recolhimento das custas correspondentes, observada eventual concessão da gratuidade da Justiça (AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.080.058/DF, Terceira Turma, DJe 5/9/2023 e AgInt nos EDcl no AREsp n. 733.178/SP, Terceira Turma, DJe de 31/8/2016).

     Todavia, o pronunciamento judicial que corrige de ofício o valor da causa não está sujeito ao recurso de agravo de instrumento, seja porque a decisão não consta expressamente do rol do art. 1.015 do C, seja porque não há urgência decorrente da inutilidade de sua apreciação em momento posterior.

     Com efeito, eventual questionamento acerca do correto valor atribuído à causa poderá ser novamente examinado em sede de preliminar de apelação, com a devolução de eventual montante recolhido a maior por meio da via apropriada, bem como poderá ser pleiteada a concessão de gratuidade da justiça caso a parte autora não disponha de recursos suficientes para pagar as custas processuais sem prejuízo de sua subsistência (arts. 98 e 99).

     Nada obstante, a decisão interlocutória que corrige o valor da causa não se enquadra na restrita hipótese do art. 1.015, V, do C acerca “rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação”. O valor da causa é requisito essencial da petição inicial, ainda que a ação não tenha conteúdo econômico imediatamente aferível (art. 291 e art. 319, V), enquanto a gratuidade da justiça é benefício legal concedido à pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios (art. 98). Logo, cuida-se de institutos jurídicos distintos e entre os quais não há equivalência.

     Por fim, de forma relativamente similar, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que, “sob a égide do C/2105, a decisão que determina, sob pena de extinção do processo, a emenda ou a complementação da petição inicial não é recorrível por meio de agravo de instrumento” (AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.434.903/RJ, Quarta Turma, DJe 29/5/2024).

7.        Atualização de crédito e marco temporal na recuperação judicial anterior extinta sem julgamento de mérito

Indexador

Disciplina: Direito Empresarial

Capítulo: Recuperação Judicial

Área

Magistratura

Ministério Público

Procuradorias

Destaque

O crédito cujo fato gerador é anterior ao primeiro pedido de recuperação judicial deve ser atualizado, para fins de habilitação, até a data desse primeiro pedido, ainda que ele tenha sido extinto sem resolução de mérito.

REsp 2.138.916-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 6/5/2025.

Conteúdo-Base

???? O art. 49 da Lei 11.101/2005 estabelece que se submetem à recuperação judicial os créditos existentes na data do pedido.

???? A extinção sem julgamento de mérito não impede que esse marco temporal seja considerado para definir os créditos sujeitos ao processo subsequente.

???? O fato gerador anterior ao primeiro pedido vincula o crédito a esse momento, ainda que não tenha havido processamento.

???? O objetivo é evitar o ingresso de créditos antigos como se fossem novos, protegendo a isonomia entre credores.

???? A segurança jurídica exige tratamento coerente aos credores que já poderiam ter se habilitado na primeira recuperação.

Discussão e Tese

???? O STJ analisou qual deve ser a data-base de atualização para créditos cujo fato gerador ocorreu antes de um pedido de recuperação judicial extinto sem resolução de mérito.

⚖️ Para o STJ:

• A extinção do pedido não altera a realidade objetiva da origem do crédito.

• Permitir atualização até o segundo pedido causaria vantagem indevida ao credor.

• A tese resguarda a paridade entre credores e o equilíbrio do plano.

Como será Cobrado em Prova

???? Mesmo extinto o primeiro pedido de recuperação judicial sem resolução de mérito, créditos antigos devem ser atualizados com base na data daquele pedido.

✅ Correto. O acórdão fixou expressamente essa orientação para proteger a isonomia entre credores.

Versão Esquematizada

???? Atualização de Créditos na Recuperação Judicial
???? Lei 11.101/2005, art. 49 – créditos existentes na data do pedido ???? Pedido anterior extinto sem mérito → não altera data-base ???? Fato gerador anterior → atualização até o 1º pedido ???? Evita distorções na ordem de habilitação ???? Tese protege segurança jurídica e igualdade entre credores

Inteiro Teor

     Cinge-se a controvérsia em definir se o crédito que tem como fato gerador data anterior ao primeiro pedido de recuperação judicial deve ser atualizado, para o fim de habilitação, até o ajuizamento do segundo pedido de recuperação judicial.

     No caso, foi proferida sentença encerrando a primeira recuperação judicial, tendo a empresa ingressado com um segundo pedido de recuperação judicial. A Corte local entendeu que o crédito deve ser atualizado até a data da primeira recuperação judicial e não até a data do pedido da segunda recuperação.

     O artigo 9º, inciso II, da Lei n. 11.101/2005, determina que o crédito a ser habilitado pelo credor deve ser atualizado até a data da decretação da falência ou do pedido de recuperação judicial.

     No que tange à recuperação judicial, duas questões devem ser levadas em consideração.

     Em primeiro lugar, a atualização dos créditos até determinada data tem como objetivo equalizar os parâmetros de correção para uniformizar os direitos dos credores no momento da votação do plano de recuperação judicial.

     De fato, nas deliberações da assembleia geral de credores, em regra, o voto do credor é proporcional ao valor de seu crédito (art. 38 da LREF). Assim, é necessário que se chegue a uma forma da atualização equânime dos créditos para garantir paridade na votação.

     Além disso, a justificativa para que o crédito seja atualizado somente até a data do pedido é que, posteriormente, ele será atualizado na forma que disp o plano de recuperação judicial, tratando-se de uma garantia mínima.

     Firmadas essas premissas, é necessário registrar que, no caso, o credor não mais exercerá o direito de voto, seja na primeira, seja na segunda recuperação judicial, que teve seu plano aprovado e homologado. Assim, a atualização terá como finalidade apenas definir um valor sobre o qual irão incidir as regras do plano.

     Cumpre assinalar que, apesar de o credor não ter se habilitado na primeira recuperação judicial da empresa, sofre os efeitos do que foi decidido naquele primeiro plano. Nesse sentido: “O reconhecimento judicial da concursalidade do crédito, seja antes ou depois do encerramento do procedimento recuperacional, torna obrigatória a sua submissão aos efeitos da recuperação judicial, nos termos do art. 49, caput, da Lei n. 11.101/2005.” (REsp 1.655.705/SP, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, DJe de 25/5/2022).

     Nesse contexto, para manter a paridade com os demais credores submetidos ao primeiro plano de recuperação judicial, o crédito deve ser corrigido até a data do primeiro pedido e, em sequência, sofrer os eventuais deságios e atualizações previstos no primeiro plano. Ajuizada a segunda recuperação judicial, deverá seguir o mesmo destino que os créditos remanescentes da primeira recuperação, ainda não quitados, terão.

8.       Recuperação judicial e Homologação de plano: Voto de credor dominante.

Indexador

Disciplina: Direito Empresarial

Capítulo: Recuperação Judicial

Área

Magistratura

Ministério Público

Procuradorias

Destaque

A rejeição do plano de recuperação judicial por credor titular de parcela relevante do ivo não configura, por si só, abuso de direito, sobretudo quando há indícios de irregularidades no plano ou prejuízos excessivos ao credor.

AgInt no REsp 1.969.340-SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 31/3/2025, DJEN 4/4/2025.

Conteúdo-Base

???? O art. 45 da Lei 11.101/2005 exige aprovação do plano de recuperação judicial por quórum qualificado de credores.

???? O § 1º do art. 58 da mesma lei ite homologação judicial excepcional do plano sem atingir esse quórum, desde que preenchidos requisitos cumulativos e ausente abuso de voto.

???? A jurisprudência do STJ reconhece a possibilidade de controle judicial do voto abusivo, mas não presume abuso pela simples rejeição do plano.

???? Credor pode proteger legitimamente seus interesses quando o plano impõe sacrifícios desproporcionais ou apresenta indícios de fraude.

???? O princípio da preservação da empresa não é absoluto e deve observar legalidade e segurança jurídica.

Discussão e Tese

???? O STJ examinou se o voto contrário de credor titular de 25% do ivo, em plano com cláusulas ilegais e suspeitas de fraude, configuraria abuso a justificar homologação forçada do plano.

⚖️ Para o STJ:

• O voto de recusa está justificado pelo conteúdo do plano e não caracteriza abuso.

• O Judiciário não pode obrigar o credor a aprovar proposta que afete gravemente seus direitos.

• A homologação forçada só se ite com demonstração clara de abuso, o que não ocorreu no caso.

Como será Cobrado em Prova

???? A recusa ao plano de recuperação judicial apenas pelo credor titular de parcela relevante do ivo autoriza, de per si, sua superação judicial.

❌ Errado. O STJ entende que é necessária demonstração concreta de abuso — a recusa isolada não basta.

???? A homologação forçada de plano de recuperação depende da comprovação de que o voto contrário foi proferido com desvio de finalidade.

✅ Correto. A jurisprudência exige prova específica de abuso, não sendo suficiente a mera discordância do credor.

Versão Esquematizada

???? Voto de Credor Dominante e Abuso
???? LRF, art. 45 – aprovação por quórum qualificado ???? Art. 58, §1º – exceção com requisitos cumulativos ???? Voto contrário não presume abuso ???? Preservação da empresa ≠ imposição de sacrifícios desproporcionais ???? Controle judicial exige prova clara de má-fé

Inteiro Teor

          Em regra, a concessão de recuperação judicial e homologação de plano de recuperação judicial depende do preenchimento do quórum previsto no art. 45 da Lei n. 11.101/2005, notadamente em razão da natureza negocial desse instituto e a prevalência da autonomia das partes. A Lei n. 11.101/2005 prevê, entretanto, o cabimento de medida excepcional de aprovação do plano de recuperação judicial, ainda que não alcançado o quórum do art. 45, a fim de superar imes entre credores e permitir a continuidade da empresa, desde que preenchidos os três requisitos cumulativos indicados em seu art. 58, § 1º.

     Analisando o dispositivo em questão, o Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido, em situações excepcionalíssimas, a possibilidade de o Judiciário aprovar plano de recuperação judicial, mesmo sem observância estrita dos requisitos do art. 58, § 1º, da Lei n. 11.101/2005, quando comprovado exercício abusivo de direito de voto por credor dominante da deliberação.

     Os precedentes do STJ, contudo, não permitem que se chegue à conclusão de que, em qualquer hipótese, a rejeição do plano de recuperação judicial por credor detentor de percentual significativo das obrigações ivas da devedora constitua abuso de direito.

     Não é razoável exigir do maior credor que manifeste anuência incondicional às cláusulas de plano de recuperação judicial que imponham sacrifícios demasiados no adimplemento de seu crédito, em benefício da coletividade de credores e em detrimento de seus próprios interesses.

     No caso em discussão, o voto de rejeição dado por credor titular de 25% do ivo total sujeito à recuperação não constitui abuso de direito e está plenamente justificado em virtude de: (i) o plano ter imposto sacrifício demasiado ao respectivo crédito; (ii) as próprias instâncias de origem terem reconhecido ilegalidades nas cláusulas do plano; e (iii) terem sido apontados indícios de blindagem e desvio patrimonial, com suspeita de ocultação de bens das devedoras para filhos dos sócios, bem como de fraudes contábeis, supostos ilícitos apurados em investigação criminal.

     Por fim, o princípio da preservação da empresa, como qualquer outro, não possui caráter absoluto. Seu objetivo central é assegurar a viabilidade econômica da atividade empresarial em benefício da coletividade, sem, contudo, permitir que se desrespeitem as normas legais ou que se comprometa a segurança jurídica necessária ao equilíbrio das relações econômicas. Dessa forma, sua aplicação deve estar alinhada aos limites e requisitos previstos na legislação, de modo a evitar abusos ou manobras que desvirtuem sua finalidade.

9.        Revogação da multa por abandono de processo e irretroatividade da norma processual

Indexador

Disciplina: Direito Processual Penal

Capítulo: Sanções processuais

Área

Magistratura

Ministério Público

Defensoria Pública

Destaque

A revogação da multa por abandono de processo prevista no art. 265 do P, promovida pela Lei n. 14.752/2023, não retroage para alcançar penalidades impostas sob a vigência da norma anterior.

AgRg no RMS 72.002-GO, Rel. Ministra Daniela Teixeira, Rel. p/ acórdão Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por maioria, julgado em 11/3/2025, DJEN 9/4/2025.

Conteúdo-Base

???? A Lei 14.752/2023 revogou o art. 265 do P, que previa multa ao advogado por abandono injustificado da causa.

???? A jurisprudência do STJ entende que normas processuais se submetem ao princípio do tempus regit actum e não retroagem, mesmo que benéficas.

???? A sanção processual não tem natureza penal material, mas sim disciplinar e funcional, voltada à regularidade do processo.

???? A ADI 4.398/STF confirmou a constitucionalidade da sanção por abandono de causa.

???? A norma nova aplica-se apenas aos casos futuros, sem afetar a validade dos atos anteriores à sua entrada em vigor.

Discussão e Tese

???? O STJ examinou se a revogação da multa por abandono de processo, promovida pela Lei 14.752/2023, afasta sanções já impostas com base no regime anterior.

⚖️ Para o STJ:

• A revogação não alcança casos ados.

• A sanção não se confunde com pena criminal nem ite retroatividade benéfica.

• O abandono processual prejudica o andamento da justiça e não é coberto por garantias penais.

Como será Cobrado em Prova

???? A Lei 14.752/2023, por ter revogado sanção processual, retroage para anular multas impostas com base no art. 265 do P.

❌ Errado. O STJ fixou que a norma não tem efeito retroativo e respeita o princípio do tempus regit actum.

Versão Esquematizada

???? Revogação da Multa por Abandono – Irretroatividade
???? P, art. 265 (revogado pela Lei 14.752/2023) ???? Sanção processual ≠ pena criminal ???? Tempus regit actum → norma não retroage ???? ADI 4.398/STF → constitucionalidade da multa ???? Casos anteriores à revogação: penalidades mantidas

Inteiro Teor

     A questão consiste em saber se a Lei n. 14.752/2023, que revogou a multa por abandono de processo, pode retroagir para isentar penalidades impostas sob a legislação anterior.

     A multa prevista no art. 265 do P, antes de sua revogação, possuía natureza eminentemente processual. Essencialmente, tal sanção está diretamente relacionada à condução do processo penal, não interferindo nos direitos materiais do réu ou do advogado.

     Diante disso, a norma que suprimiu essa penalidade não pode retroagir para afastar as multas já impostas sob a vigência da legislação anterior, uma vez que os atos processuais são regidos pelo princípio do tempus regit actum, segundo o qual os atos processuais são regrados pela lei vigente no momento de sua prática.

     O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é claro ao confirmar que as normas processuais, tais como a Lei n. 14.752/2023, ainda que revoguem sanções anteriores, não têm o condão de retroagir para excluir atos jurídicos perfeitos.

     Nessa linha, “A jurisprudência desta Corte Julgadora tem-se mostrado uníssona acerca natureza processual da sanção pecuniária decorrente do abandono de causa, de modo que a novel Lei n. 14.752/2023, sancionada em 12 de dezembro de 2023 – afastando a sanção pecuniária em comento -, nos termos do art. 2º do Código de Processo Penal, tem aplicabilidade imediata, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior – princípio do tempus regit actum – não retroagindo, ainda que para beneficiar o réu.” (AgRg no HC 797.438/MG, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe de 26/2/2024).

     Portanto, a norma processual que previu a multa sempre foi vista como essencial para o bom andamento da justiça, sem ferir prerrogativas da advocacia, conforme entendeu o STF (ADI 4.398). Assim, mesmo que a Lei n. 14.752/2023 tenha revogado a multa, a sua natureza processual impede a retroatividade para desfazer penalidades já aplicadas validamente sob o regime anterior.

10.        Busca pessoal e ingresso em domicílio respaldados apenas em testemunho policial: provas ilícitas

Indexador

Disciplina: Direito Processual Penal

Capítulo: Busca e Apreensão

Área

Magistratura

Ministério Público

Defensoria Pública

Carreiras Policiais

Destaque

Nos casos de inconsistência na narrativa policial, ausência de imagens das câmeras corporais e confiança excessiva em testemunho dos agentes, a busca pessoal e o ingresso em domicílio são ilícitos, tornando inissíveis as provas obtidas.

HC 896.306-SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 20/3/2025, DJEN 27/3/2025.

Conteúdo-Base

???? O art. 5º, XI, da Constituição assegura a inviolabilidade do domicílio, salvo flagrante delito, autorização ou ordem judicial.

???? A jurisprudência do STJ exige justa causa efetiva para ingresso forçado em domicílio, com elementos concretos e verificáveis.

???? Narrativa policial contraditória e ausência de gravações com câmeras corporais inviabilizam a comprovação da legalidade da diligência.

???? O ônus de provar a legalidade da atuação policial é do Estado.

???? A cultura de desconsiderar a documentação audiovisual da atuação policial compromete a auditabilidade das ações estatais.

Discussão e Tese

???? O STJ analisou se, diante de falhas na comprovação da diligência policial, especialmente com ausência de registros visuais disponíveis, seria possível validar provas obtidas por ingresso forçado.

⚖️ Para o STJ:

• A palavra do policial não é suficiente quando desacompanhada de outros elementos confiáveis.

• A inexistência de gravações, quando disponíveis, fragiliza a comprovação da legalidade.

• O Estado não se desincumbiu do ônus probatório.

Como será Cobrado em Prova

???? A ausência de gravação das câmeras corporais em diligência compromete a validade da busca domiciliar quando há inconsistência na narrativa policial.

✅ Correto. A jurisprudência impõe ao Estado o ônus de provar que a diligência foi realizada dentro dos limites legais.

Versão Esquematizada

???? Ingresso em domicílio e Ilicitude da Prova
???? CF, art. 5º, XI – inviolabilidade do domicílio ???? Justa causa exige elementos objetivos ???? Ausência de gravação = fragilidade da diligência ???? Inconsistência narrativa → prova ilícita ???? Ônus da prova sobre a legalidade é do Estado

Inteiro Teor

     Cinge-se a controvérsia em verificar a legalidade do ingresso a domicílio do réu.

     A despeito de a diligência ter sido registrada por vídeo, tanto a prisão em flagrante, quanto a denegação da ordem pelo Tribunal de origem extraíram seu fundamento dos testemunhos policiais.

     De acordo com a versão apresentada pelos policiais, a atitude suspeita residiria no fato de que paciente e corréus haveriam corrido ao avistarem os agentes estatais. Também, as drogas teriam sido encontradas em um apartamento “abandonado”.

     É cômodo apenas mencionar que o local onde as drogas e demais provas foram encontradas se trataria de um “apartamento abandonado e invadido”, ao qual integrantes de facção dariam serventia de “local de vendas”. Uma narrativa desse tipo afastaria qualquer questionamento sobre a legalidade da diligência, porque, não sendo casa de nenhum cidadão, deixaria de incidir o direito constitucional à inviolabilidade do domicílio. Em verdade, o “apartamento invadido” e “usado para vendas” contava com um cômodo que foi identificado pelos próprios policiais como sendo “o quarto” do réu.

     Trata-se de uma inconsistência narrativa para a qual as instâncias ordinárias deveriam ter dedicado um olhar mais crítico. A contradição poderia, efetivamente, ter sido dirimida com alguma facilidade se, para além dos relatos policiais, também os conteúdos das gravações das câmeras corporais houvessem sido ados.

     Na espécie, a pouca importância atribuída às gravações e o excesso de credibilidade conferido à narrativa dos policiais foram constatados pelo delegado, no “Relatório Final das Investigações”. Em suas palavras, “não houve a menor preocupação em documentar eventual autorização para ingresso nos imóveis, sequer havendo registros a abordagem realizadas nos imóveis invadidos”.

     Mesmo com o à tecnologia e a recursos para registrar as suas diligências, os policiais militares que participaram da operação não se empenharam nas gravações. E a razão para a falta de zelo, ao que tudo indica, está na cultura da própria Instituição, que diante do aproveitamento probatório acrítico que os Tribunais sempre ofereceram à palavra do policial, nunca precisou se preocupar em ensinar e exigir que seus agentes se gravem em ação, e que assim internalizem o dever de colaborar com a auditabilidade da legalidade de sua atuação.

     Diante de tão notável descompromisso institucional, e de expressivo deficit de confiabilidade dos testemunhos policiais, na espécie, impõe-se o reconhecimento de que o Estado não se desincumbiu do ônus de provar que agiu legalmente ao submeter o paciente à busca pessoal e ao ingresso domiciliar que ora estão sob exame.

11.       Tráfico de drogas e Confissão informal obtida mediante violência policial: Prova ilícita por derivação

Indexador

Disciplina: Direito Processual Penal

Capítulo: Provas Ilícitas e Ônus da Prova

Área

Magistratura

Ministério Público

Defensoria Pública

Carreiras Policiais

Destaque

Sendo verossímil a alegação de maus-tratos e existindo laudo pericial que comprova lesão corporal, deve-se declarar ilícita a confissão informal obtida durante abordagem policial, bem como as provas derivadas, por descumprimento do ônus estatal de demonstrar a legalidade da diligência.

HC 915.025-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 20/3/2025, DJEN 27/3/2025.

Conteúdo-Base

???? O art. 5º, LVI, da CF/1988 veda expressamente o uso de provas obtidas por meios ilícitos.

???? A jurisprudência do STJ exige a comprovação da legalidade da atuação policial quando há alegações consistentes de violência ou coação.

???? A ausência de registro da abordagem e o laudo pericial que comprova dedo quebrado reforçam a tese de violência durante a diligência.

???? A gravação parcial da confissão, em ambiente inadequado e sem contexto probatório completo, fragiliza a versão oficial.

???? A seletividade na gravação das diligências compromete a confiabilidade da atuação policial.

Discussão e Tese

???? O STJ examinou se é válida confissão informal prestada em situação de aparente coação policial, diante de registro de lesão e ausência de gravação integral da abordagem.

⚖️ Para o STJ:

• A prova obtida sob suspeita de coação física é ilícita.

• A confissão informal sem garantias legais não é confiável.

• O Estado tem o ônus de demonstrar a legalidade da atuação — e não o inverso.

Como será Cobrado em Prova

???? Quando há verossimilhança na alegação de tortura e prova de lesão corporal, é ilícita a confissão obtida e as provas derivadas.

✅ Correto. A jurisprudência exige que o Estado comprove que agiu legalmente.

???? A confissão informal prestada durante abordagem policial em ambiente informal é válida se não houver registro explícito de coação.

❌ Errado. O STJ reconhece que a suspeita de violência, somada a lesão comprovada, torna a prova ilícita.

Versão Esquematizada

???? Confissão Informal e Prova Ilícita
???? CF, art. 5º, LVI – inissibilidade de prova ilícita ???? Lesão corporal comprovada → suspeita de coação ???? Ausência de gravação da abordagem ???? Ônus da prova é do Estado ???? Prova ilícita por derivação reconhecida

Inteiro Teor

     No caso, o paciente foi condenado por tráfico de drogas a partir das provas que foram encontradas no domicílio da corré, sua então namorada. Na busca pessoal, nada de ilícito foi achado com ele.

     Contudo, a confissão do acusado de que suas drogas estariam na mencionada localidade foi recebida sem maiores questionamentos pelo magistrado. Ou seja, mesmo que a abordagem não haja resultado no encontro de drogas, apetrechos ou outros indícios de tráfico, o juiz acatou, sem qualquer questionamento metodológico, a versão segundo a qual o paciente contara aos policiais – como se estivesse entre amigos confidenciando seus feitos – que teria drogas guardadas em outra localidade. Mais ainda, considerou o julgador que o acusado, sem qualquer tipo de pressão ou constrangimento, também teria se prontificado a levar os policiais onde as drogas estavam armazenadas, num gesto de extremo desprendimento e de colaboração com o Estado.

     O cenário de uma confissão que, nas palavras do juiz, teria sido prestada de forma “calma e tranquila”, não faz jus ao conteúdo da gravação. Efetivamente, as imagens gravadas e juntadas pela própria polícia militar dão conta de uma cena duvidosa, que exibe um cidadão em situação de vulnerabilidade, em local escuro (ambiente, aliás, inadequado para se obter uma confissão livre e voluntária), sentado no chão e com as mãos escondidas debaixo das pernas; nessas condições, responde o que o policial lhe pergunta, olhando para a câmera do celular apontada pra ele, de cima para baixo.

     A circunstância de não estar evidenciada, na gravação, uma explícita violência ou ameaça não é suficiente para afastar a alegação defensiva de que o paciente sofrera coação física e moral para confessar, especialmente ao se levar em consideração o laudo pericial que certifica o dedo quebrado do paciente. A seu turno, há constância nas declarações do paciente, quando, ao estar na presença de autoridades outras que não as forças policiais, afirmou ter sido torturado para confessar a guarda das drogas.

     Com efeito, no caso sob exame, desde a audiência de custódia, o paciente afirma que foi torturado pelos policiais que o abordaram. Isto é, em todas as oportunidades institucionais em que entendeu estar acompanhado de uma outra autoridade – e não mais sozinho com policiais -, o paciente tentou denunciar o trato que recebeu dos policiais. Em vão, porque nem mesmo após a confecção do laudo, o sistema de justiça deu-lhe a devida atenção.

     Ocorre que é do Estado o ônus de provar que atuou dentro dos contornos da legalidade, o que faz emergir o seguinte questionamento: se houve a preocupação de registrar por vídeo a confissão, por que não houve idêntica preocupação em se registrar a abordagem, o ingresso domiciliar mediante a conjecturada autorização do morador e, ainda, o encontro das drogas na residência? É forçoso itir que a seletividade de se registrar apenas parte da atuação policial suscita dúvidas sobre a credibilidade do relato dos agentes estatais.

     Não por outra razão, aliás, o documento que apresenta os Princípios Méndez, recomendados pelas Nações Unidas e que consistem em uma reunião de medidas que desejavelmente devem ser adotadas com vistas à colheita de declarações epistemicamente mais confiáveis, adverte: “Não deve haver ‘conversas informais’, que carregam o risco de se desviarem das entrevistas oficiais ou salvaguardas aplicáveis.” E, “O risco de tratamento ilícito e desumano é particularmente elevado no momento da apreensão ou detenção ou antes da chegada a um local de detenção oficialmente reconhecido. Os riscos associados a esse período incluem o uso excessivo da força, o uso indevido de restrições, o questionamento coercitivo improvisado e períodos prolongados de confinamento em transporte – todos os quais podem equivaler à tortura.”

     Do exposto, ante o reconhecimento de que, no presente caso, é verossímil a narrativa de maus tratos impostos ao acusado, deve-se declarar ilícita a confissão informal e, por derivação, todas as provas posteriormente encontradas na casa da corré.

     Ressalte-se que, segundo a doutrina, a exclusão das provas derivadas das provas diretamente ilícitas “não obedece a nenhuma ‘generosidade garantista’, mas é tão somente mais uma consequência da especial posição que os direitos fundamentais ocupam no ordenamento jurídico e a necessidade de garantir veementemente a sua eficácia”.

12.     Validade de prova estrangeira como notitia criminis e cadeia de custódia

Indexador

Disciplina: Direito Processual Penal

Capítulo: Provas

Área

Magistratura

Ministério Público

Carreiras Policiais

Destaque

A prova obtida no exterior e utilizada apenas como notitia criminis não compromete a validade das provas produzidas em território nacional, desde que colhidas sob o devido processo legal. Alegação de quebra de cadeia de custódia da prova estrangeira é irrelevante nesse contexto.

Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 22/4/2025, DJEN 29/4/2025.

Conteúdo-Base

???? A cooperação internacional permite o uso de informações originadas no exterior como ponto de partida para investigações nacionais, sem que isso implique nulidade automática.

???? A validade da prova nacional depende da observância do devido processo legal brasileiro, e não da cadeia de custódia estrangeira.

???? A investigação originou-se de comunicação oficial entre autoridades britânicas e brasileiras sobre crimes transnacionais.

???? Todas as diligências em território nacional seguiram o rito legal: inquérito instaurado, decisão judicial fundamentada, busca e apreensão legal e perícia técnica oficial.

???? A condenação se fundou exclusivamente em provas colhidas no Brasil, sob contraditório e ampla defesa.

Discussão e Tese

???? O STJ analisou se eventual quebra de cadeia de custódia de prova estrangeira inviabilizaria a condenação fundada em provas colhidas posteriormente no Brasil.

⚖️ Para o STJ:

• A prova estrangeira serviu apenas como notitia criminis.

• As provas que sustentaram a condenação foram produzidas legalmente em território nacional.

• Alegações sobre a origem da investigação não afetam a validade da prova colhida sob a legislação brasileira.

Como será Cobrado em Prova

???? A quebra da cadeia de custódia da prova estrangeira invalida automaticamente todo o processo penal instaurado no Brasil com base nessa comunicação.

❌ Errado. O STJ reconhece que, usada apenas como notitia criminis, a prova estrangeira não compromete a validade das provas nacionais.

???? É inválida a investigação iniciada com base em prova estrangeira, ainda que as provas para a condenação sejam produzidas no Brasil.

❌ Errado. A jurisprudência distingue a função da notitia criminis e valida a atuação estatal nacional.

Versão Esquematizada

???? Prova Estrangeira e Legalidade das Diligências Nacionais
???? Notitia criminis ≠ prova para condenação ???? Cadeia de custódia estrangeira irrelevante se a prova final é nacional ???? Procedimentos no Brasil → inquérito, decisão judicial, perícia ???? Provas válidas se colhidas sob contraditório e legalidade ???? STJ: condenação baseada exclusivamente em elementos brasileiros

Inteiro Teor

     A controvérsia consiste em saber se a prova oriunda do exterior, utilizada no processo penal, é issível, considerando a alegada ausência de preservação da cadeia de custódia.

     O Tribunal de origem consignou que “as provas remetidas pelas autoridades estrangeiras, além de serem chanceladas pelo Poder Judiciário do Reino Unido, […] encontram confirmação na prova obtida por meio do cumprimento do mandado de busca e apreensão pela Polícia Federal”.

     De fato, o ponto de partida da investigação foi uma comunicação internacional – quando autoridades britânicas, ao investigarem uma rede de pedofilia, identificaram conexões com usuários no Brasil. Esta comunicação entre autoridades constitui prática usual e legítima de cooperação internacional no combate a crimes transnacionais, notadamente aqueles relacionados à exploração sexual infantil, que frequentemente operam em redes que transcendem fronteiras nacionais.

     Contudo, no caso, o conjunto probatório que efetivamente alicerçou a condenação do acusado não é oriundo do exterior, mas foi legitimamente colhido em território nacional, mediante procedimentos que observaram integralmente as garantias constitucionais e processuais exigidas pelo ordenamento jurídico brasileiro. A referida comunicação inicial serviu apenas como notitia criminis, elemento catalisador que desencadeou uma investigação autônoma em território brasileiro.

     A partir deste ponto, todas as medidas investigativas seguiram rigorosamente o devido processo legal brasileiro: (i) as autoridades policiais federais, ao receberem as informações do exterior, formalizaram um inquérito policial próprio, conduzido segundo a legislação brasileira; (ii) o Ministério Público Federal, no exercício de suas atribuições constitucionais, avaliou os elementos iniciais e representou pela expedição de mandado de busca e apreensão; (iii) o magistrado competente, após análise fundamentada dos requisitos legais, expediu mandado de busca e apreensão, medida cautelar sujeita a estrito controle judicial; (iv) a diligência foi executada por autoridades brasileiras, em território nacional, com observância das formalidades legais; (v) os dispositivos eletrônicos apreendidos foram submetidos à perícia técnica oficial, realizada por peritos federais, seguindo os protocolos nacionais de análise forense digital; (vi) o Laudo Pericial, produzido por expert brasileiro, identificou em equipamentos encontrados na residência do acusado elementos que comprovaram a materialidade delitiva.

     A condenação do réu baseou-se nas provas produzidas em solo brasileiro. Assim, as alegações relacionadas à quebra da cadeia de custódia das provas estrangeiras tornam-se irrelevantes para o deslinde da causa, uma vez que a condenação não se baseou nas provas enviadas pelas autoridades britânicas, mas no material colhido em operação integralmente realizada em território nacional.

     Portanto, o argumento defensivo ignora esta distinção fundamental entre a notícia-crime internacional – que apenas iniciou as investigações – e as provas efetivamente produzidas em solo brasileiro, que foram submetidas ao contraditório e à ampla defesa, e que constituíram a base probatória para a condenação.    

Deixe seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Veja os comentários
  • Nenhum comentário enviado.